segunda-feira, 25 de abril de 2022

Sobre críticos e militantes

 



- Já viu Medida Provisória? 

- Qual? 

- O filme, pô! "Qual?" O filme do Lázaro Ramos. Geral tá falando. 

- Ah tá! Vi não. Você viu? 

- Vi.

- E aí?

- E aí que não é isso tudo.

- Sério? 

- É, cara! Tipo... o filme levanta questões, faz vários paralelos com o racismo real, mas como filme, achei fraco. Preferi Bacurau. Toca no mesmo tema, só que Bacurau não dialoga com as massas. Medida Provisória sim.

- Entendi. Mas tem crítico elogiando o filme.

- Eu sei. Isabela Boscov gostou. Pablo Villaça ainda não falou nada. Estranho, né? 

- Por que? 

- “Por que”? Um dos críticos mais famosos do Brasil, super engajado nas causas sociais, ainda nem tuitou sobre o filme?

- Não? Bom… Talvez ele esteja mais dedicado àqueles cursos. Scorsese. Grana.

- Não acho. Acho que ele não gostou do filme e tá demorando um pouco para falar, deixando a galera assistir. Sabe que o filme é importante para a causa e ele é super militante. Não quer atrapalhar, entende? Você não acha que ele arrumaria um tempinho pelo menos para assistir e tecer um comentário no Twitter? Pode estar escrevendo uma crítica elaborada para justificar porque não gostou e porque o filme é importante. Ele é um branco engajado. Na verdade, ele nem é tão branco assim. Tem traços indígenas fortes. Parece aqueles latinos de filme.

- Somos todos latinos.

- É, mas você me entendeu.

- Eu entendi que você disse que o Pablo Villaça tem traços indígenas.

- Fortes.

- O que pode ser verdade. 

- É verdade. Mas ele nunca diz. Ele se vê como branco. Um branco responsável, engajado, cheio de culpa, mas branco. E eu acho que isso também é uma forma de racismo. Se o cara é mestiço, por que ele não se diz mestiço? 

- Sei lá. Porque a experiência dele é de uma pessoa branca. Ele se vê como branco porque é visto como branco. 

- Não interessa. Se ele é o anti-racista que diz que é, ele tem que se assumir, abrir mão do privilégio branco que tem no imaginário das pessoas e dizer "Eu não sou branco" com todas as letras. 

- Você também é mestiço. Nunca abriu mão de ser branco no imaginário das pessoas.

- Já sim.

- Não lembro. Outro dia estava falando dos avós italianos. Na festa da Raquel. Porque não fala dos avós indígenas, negros...? 

- Sempre falo da minha avó índia. 

- Sei. Então você não se vê como uma pessoa branca, certo? 

- Certo. Quer dizer… Eu me vejo como branco, mas porque é assim que as pessoas me veem. Seria hipócrita da minha parte dizer que não, fingir para as pessoas que sou uma coisa que não sou. 

- Ahan. E como é que para o Pablo é diferente?

- Ele… Ele é um militante. É diferente quando você é um militante. 

- Ahan. 

- Ahan o que? Ele é um militante. Tem que abraçar a causa de todas as formas. 

- Cara. Você já se complicou. Se o Pablo Villaça é racista por se achar branco, você também é. 

- Ele é um militante! Você tá surdo? 

- E você? Não é militante? 

- Não! Desde quando eu sou militante, rapaz? 

- Você não é anti-racista?

- Sou.

- Então é militante.

- Não. 

- Sim. 

- Não, não! Existem formas diferentes de ser anti-racista. Você pode ser anti-racista sem ficar lacrando toda hora. 

- Anti-racismo é militância. Se você não milita, não pode ser anti-racista. Pode no máximo ser um “não-racista” que quer colaborar com a causa não colaborando e no fim colabora com o problema. 

- Hahahaha! Quer dizer que agora eu sou racista?

- Não. Você é um colaborador involuntário. Eu também, mas eu sou um colaborador assumido. Se você não é um colaborador, é um militante. Se é um militante, é hipócrita.

- Teu cu.

- Quero ver se o Pablo disser que gostou do filme. Vai chamar ele de que? Hipócrita? Mentiroso? 

- Não me lembro dele mentindo numa crítica. Mas é certo que alguns críticos brancos vão ter medo de falar mal do filme, principalmente os militantes. 

- Isabela Boscov? 

- Não sei, cara. Ela não é militante. Não é só uma questão de mentir. Talvez a vontade de que o filme seja bom e o medo de ser visto como um racista enrustido influenciem na opinião.

- Ou seja, “mentirosos enrustidos”.

- Tô só falando. Ninguém quer pagar de racista, nem de colaborador. Nem você, que se diz assumido.

- Tá. E quais as chances de Isabela, Pablo e companhia serem críticos melhores que você e perceberem que o filme é foda, enquanto você não percebe porque nem crítico você é? 

- Já deu. Parei por aqui.

- Hahahahahaha! 

- Aproveita e me arruma um cigarro.

- Tá bom. 

- E você? Vai ver o filme quando?

- Sei lá.

- “Sei lá”? Não vai querer ver não?

- Sou um colaborador assumido, esqueceu? Ainda não decidi.

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